Um senhor mais velho passeia durante horas ao pé de um café, todos os dias o mesmo ritual. Apresentável e bem educado olha para o infinito, observa, e aí fica. Uma senhora interroga-se e pergunta aos funcionários do café o que se passa com o senhor, eles respondem: "Ele mora aqui perto, a reforma vai quase toda para a ex-mulher, e os filhos, bem sucedidos, não lhe ligam nenhuma". No dia seguinte a senhora cumprimenta-o e pergunta se ele aceita um copo com leite e uma sandes, ele educadamente agradece referindo que ainda está a digerir o almoço, mas que aceita um café. Ao café a senhora junta um queque, sugerido pelos funcionários do café que o conhecem. Calmamente bebe o seu café e come o queque, no fim agradece. Em dois dedos de conversa, ao sentir que há pessoas que se preocupam, o senhor começa a chorar. Tem 91 anos e está só, desprovido da qualidade de vida que outrora teve, e ignorado pelo mundo, e principalmente pela família. Tenta manter-se apresentável e correcto, mas as lágrimas e o rosto denunciam-no. A senhora recorda-o que sempre que quiser pode ficar um pouco à conversa, até porque ele a faz lembrar do seu pai. O senhor agradece educadamente.
Já repararam nas procissões à noite que envolvem vultos à procura de qualquer coisa que se aproveite no lixo? Já repararam nos rostos de vergonha que fogem da luz e dos olhares, em pura vergonha, do que se tornaram, apenas porque o destino virou-lhes as costas? Já repararam no olhar indiferente de quem vive numa redoma, apenas porque vivem na ignorância de não saber o que é não ter, não ter ninguém, não ter nada?
Não tenho qualquer solução para isto, faz parte do "absurdo" da vida, apenas uma visão que talvez ajude um ou outro a olhar melhor, reparar, sentir, ajudar.